segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

As Mazelas do Brasil: #1 - O Pote de Avelã

Olá, amigos das finanças.

Há muitos anos tenho alguns tópicos separados na cabeça para escrever um livro. Determinados pontos não posso contar até que muitos anos tenham se passado, pois são coisas mais drásticas e graves que presenciei em diversos segmentos e entidades públicas.

A ideia do título "Mazelas do Brasil" é, de forma despretensiosa, narrar alguns acontecimentos que presenciei ao longo da vida, afastando sobremaneira a visão e senso comum de que a culpa do país é dos políticos.

Concordo. Mas parcela de culpa são dos políticos, o resto são dos brasileiros, o jeitinho, o antiético, o esperto.

Coisas simples na vida como em um semáforo duplo, com opção de virar à esquerda ou ir em frente, e você está lá, parado para virar à esquerda na fila e o "esperto" ultrapassa todos pela direita (na faixa de ir em frente) e atravanca o trânsito. Esse é o esperto, ganhou 5 segundos, atrapalhou todos. É disso que trataremos nesse conjunto de ideias.

Mazelas vem de causar dor, ferir, desacreditar.

Pretendo escrever tais posts sem periodicidade definida, provavelmente serão nos dias que estou em baixo-astral, desmotivado e cansado, aproveitarei o momento para uma faxina mental.

No meio do texto, quando oportuno e se condizente, darei pequenas dicas e orientações de empreendedorismo.

Vamos ao primeiro "causo".

O Pote de Avelã


Conforme sabem e expliquei no post de Apresentação, tenho alguns negócios e, dentre eles, tive uma curta experiência no ramo de Franquias - Gênero Alimentício (Fast Food).

Inicio a série com essa postagem, pois foi quando tive meu primeiro choque de realidade (dentro do fast food e não na vida) acerca da desonestidade de alguns trabalhadores.

Todos meus funcionários (que agora devemos chamar de colaboradores...) sempre receberam acima da concorrência, sempre dei refeição no local e cesta básica, sempre permiti exceções e bonificações, enfim, de fato distribuía parte do meu lucro e contribuía para o crescimento familiar e pessoal do colaborador, uma verdadeira porta de oportunidades aos que me cercam.

Dentro da gama de produtos, um determinado prato em nosso cardápio utilizava avelã - a famosa Nutella.



Como o volume de vendas era altíssimo, tínhamos centenas de Potes de Nutella no estoque, compradas diretamente da distribuidora, sendo esse apenas um item de um leque enorme.

A contagem do estoque, dado o volume e impossibilidade de ser feito diariamente, era feito de forma semanal e tomava muitas e muitas horas. Alguns insumos especiais eram controlados diariamente.

O controle era simplificado, basicamente aproveitava o momento para atualizar o Inventário e calcular o CMV - Custo de Mercadoria Vendida.

O CMV é o segredo de um restaurante Fast Food e em qualquer outro negócio (que seria o CPV, o qual entrará em uma outra narrativa de Mazelas).

Quem atua no ramo de alimentos Fast Food, perceberá ao longo do tempo que não se ganha dinheiro com a venda do produto ao consumidor final, mas, sim, "montando" o produto dentro de uma Ficha Técnica perfeita (quantidade de cada produto) e na compra dos insumos com os fornecedores (descontos, bonificações).

Desta forma, na contagem semanal, sempre aproveitava para realizar tais cálculos. Consiste em basicamente saber quanto de produto usou: pegar o Estoque Inicial, somar com as compras da semana  e subtrair o estoque final.

Usualmente é descrito pela fórmula CMV = EI + C - EF

O Estoque Inicial era, logicamente, o estoque final da semana anterior;
As Compras eram controladas pelas entradas no estoque mediante Nota Fiscal;
O Estoque Final era feito pela contagem semanal.

Com essa métrica, era possível estabelecer o custo de cada produto e corrigir eventuais distorções, além de controlar o estoque para evitar furtos.

A apuração do "usado na semana", era feita diretamente pelo Caixa. O sistema registrava a venda de todas as mercadorias. Exemplo: um determinado produto A utilizava 20 gramas de nutella, o produto B, 40 gramas etc com isso pelas vendas realizadas era possível apurar o quantitativo usado na semana.

O sistema emitia um relatório de mercadorias e era possível se ver, por exemplo, que foram utilizados 195 Kg de Nutella, o equivalente a 300 potes de 650 gramas.

A título ilustrativo, se tínhamos 200 Potes em Estoque e compramos 150 na semana, tendo utilizado 300 no mesmo período, obviamente, deveria chegar no fim da semana, dia da contagem, com 50 Potes.

Com isso apurávamos: 

Se a contagem fosse maior, 51 potes, significa que os funcionários colocaram "menos nutella" nos produtos do que deveria; Ponto positivo, pois geraram uma economia de "um pote" de modo a não prejudicar muito o consumidor (se a economia fosse muito grande, o produto perderia qualidade).

Se a contagem fosse menor, 49 potes, significa que os funcionários colocaram "mais nutella" nos produtos do que deveria; Ponto negativo, pois a cada produto vendido, estava causando um prejuízo, portanto, quanto mais vendesse, mais dinheiro ia para o ralo.

Esse é o cenário perfeito.

Nas Mazelas do Brasil, eis o que aconteceu: em determinado período, constatou-se que toda semana havia uma diferença negativa na contagem. Foi realizado reunião, treinamentos e orientações.

Imaginou-se que a "mão do funcionário" estava errada, colocando mais produtos do que deveria. Foi feita uma nova abordagem com adoção de melhores produtos de medição (exemplo: pistolas com trava de quantidade, balanças de precisão etc).

A quantidade utilizada estava perfeita, exatamente com a quantidade vendida. A conclusão, portanto é a que eu estava sendo furtado.

Sinceramente, não conseguia acreditar de como Brasileiros esforçados, buscando oportunidades, pudessem cuspir no prato que comem, mas enfim.

Desgosto à parte, precisava descobrir "como" toda semana sumia o tal do Pote de Nutella.

Extraídas algumas hipóteses, observei que em determinado dia um "colaborador" insistia muito para ser o responsável pela retirada do lixo, serviço chato e que normalmente afasta as pessoas.
Estamos falando de uma lixeira gigante, com kgs e kgs de insumos e produtos.

Só poderia ser esse o responsável pelo sumiço do Pote de Avelã ou alguma outra conduta, pois normal, não era.

Em determinado dia, novamente com a insistência de "eu tiro o lixo...", resolvi eu mesmo tirar o lixo.

Para a surpresa, quando retirei o saco, no fundo da lixeira lá estava o pote....

O tal "colaborador", aproveitava o momento da "troca" do saco de lixo, realizada por ele mesmo, para colocar o pote nos horários de maiores picos. Imaginem uma cozinha com 8~9 pessoas dentro e saindo mais de 10 pedidos por minuto? Loucura total, impossível acompanhar.

Lição aprendida, entre todas as formas de furtar como esconder na mochila, carregar na jaqueta, na bota, no boné, não imaginava que esconderiam um pote na lixeira.

Vejam que a questão não é o "furto do pote", mas a postura, a conduta, a desonestidade. Até porque, se queria tanto um pote, era só pedir e eu dava, como o fiz várias e várias vezes.

Esse episódio me marcou e foi adicionado à minha lista de "Mazelas do Brasil", pois são pequenas coisas desonestas que levam ao fim da nação, não adianta criticar as condutas dos políticos quando a falta de moral e ética reflete-se nas pequenas condutas imorais e ilegais do dia a dia.

Simplesmente não falei nada e no dia seguinte demiti o funcionário.


A título de curiosidade, conforme notícias de revistas especializadas:
77% das empresas registram prejuízos com fraudes abaixo de R$ 1 milhão por ano
R$ 2,2 bilhões são furtados todo ano por funcionários do comércio
R$ 428 é o prejuízo médio por ocorrência de furtos internos
Abraços.

26 comentários:

  1. Impressionante que a honestidade tem sido algo raro neste país. Esses dias fiquei impressionado com a capacidade do brasileiro. Um caminhão tombou em uma estrada na regiao norte do país. Tinha bebidas e carnes. Enquanto o motorista estava agonizando entre a vida e a morte, diversas pessoas saqueavam a carga dentro de la. Inclusive teve um individuo que retirou o relogio do motorista nas últimas, alem de furtar bebidas e carnes. Reclamamos muito da corrupção em nosso país, porém o caso é epidemico. Ela já começa dentro de casa e no dia a dia.

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    1. Pois é, já vi caminhão carregado de alho tombado e vários "abutres" pegando a carga.
      Agora pergunto: seriam pessoas com fome querendo matá-la roubando alho? Difícil, difícil.

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    2. Já tive a infelicidade de presenciar essas cenas! Absurdo essas coisas, o ser humano está caminhando para o fim.

      Um desconhecido caído, morrendo e os demais só pensando no benefício próprio, é o fim.

      Agradeço pelo comentário.

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  2. Infelizmente muitos brasileiros não veem mal nessas "pequenas" desonestidades. É um negócio meio, complicado...parece que está enraizado no brasileiro o sentimento de ter que se dar bem, não há uma noção de coletividade. Enfim...

    Abraços!

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    1. Pois é, a noção de coletividade é o que falta, sempre noto esses detalhes.
      Vide o caso do Tsunami no Japão, a organização da sociedade para reconstruir, os idosos se voluntariando para ir nas áreas com contaminação nuclear e preservar os mais jovens...

      Será que a falta de uma destruição do país em uma guerra e sua reconstrução, além da pacificidade (passividade) ao longo da história causou isso?

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  3. Kkkkk cômico se não fosse trágico.

    Essa é a famosa Lei de Gerson que acomete a todos nós brasileiros. O cara fica tão cego em levar a vantagem que não percebe a puta oportunidade desperdiçada e a bela mancha no histórico profissional.

    Triste....

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    1. Sem dúvida, Lei de Gérson.
      Pior que o próprio Gérson já manifestou numa entrevista que ficou totalmente envergonhado com o comercial que fez que deu origem a essa expressão.

      "Por que pagar mais caro se o Vila me dá tudo aquilo de um bom cigarro? Gosto de levar vantagem em tudo, certo? Leve vantagem você também, leve Vila Rica!".

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  4. Boa! Gostei da série, espero ler mais

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    1. Obrigado, papapa!
      Deixar as ideias fluírem naturalmente e quando bater o desgosto volto para postar alguma experiência.

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  5. Olá IP,

    As pessoas reclamam dos políticos, mas uma grande quantidade são desonestos. Esses pequenos roubos são comuns infelizmente. O brasileiro é um povo que quer levar vantagem em tudo. Roubam, compram e não pagam, desrespeitos no trânsito, etc.

    Abraços.

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    1. Penso igual, o político é o reflexo da sociedade. Não conheço pessoalmente a cultura de outros países, mas alguns amigos viajam muito, muito mesmo, e sempre me mantem atualizado sobre alguns contrastes culturais.

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  6. Esse seu relato é mais comum do que parece. Rede de fast food com nutela no cardápio, matei a charada da franquia rsrs. Puta empreendimento. Parabéns pela época que conseguiu tocar o negócio deve ser uma loucura.

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    1. kkkkkkkkkkkk
      Sei de nada, Lawyer!

      Não é fácil, não. Para quem vê de fora, acha que é só alegria, mas a coisa por dentro é um estresse sem fim.
      Ainda mais no meu caso que vinha de outras atividades mais "lights".

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  7. IP, perfeito o texto. Por isso, a mudança que queremos para o nosso país é aquela que devemos fazer em nós mesmos e nos nossos locais de trabalho.

    Abraço

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    1. Obrigado, Sequoia!
      Acredito profundamente nisso, que a mudança é paulatina e será feita somente em muitas e muitas gerações, não adianta renovar o quadro político, se o alicerce, a base, continua podre.

      Somente com as mudanças pequenas no dia a dia é que, um dia, veremos resultados concretos.

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  8. Já ouviu o ditado: "A diferença entre o ladrão de galinha e o de colarinho branco é meramente a oportunidade"? Um se comportaria igual ao outro se estivesse no lugar dele.

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    1. Olá, Anon
      Acredito plenamente no ditado e concordo com o seu posicionamento.
      Não consigo imaginar que um brasileiro que tenha batalhado, sofrido e um dia esteja lá em cima e fique passivo ou não aceita algo do tipo: "oi, pega essas malas de 50 milhões para você".

      Complicado. Complicado.

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  9. Meu amigo, se quiser dar oportunidade a alguem estou à disposição. Nao tenho experiencia, nao tenho necessidade, mas sou honesto.
    Esse post foi uma aula!
    Abraco e sucesso sempre

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    1. Oi, Investidor Mineiro!
      Estou sempre aprendendo e vivenciando alguma coisa, o dinheiro vai, mas as experiências ficam.

      Acredito que as maiores virtudes do homem sejam a "paciência", a "honestidade" e a "humildade", somente com esses três elementos é que se obtém o sucesso no longo prazo.

      Abraços e obrigado

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  10. Como já decifrado pelo anon acima, conduta absolutamente normal e aceitável, sendo isenta de qualquer ilegalidade e amparada judicialmente pela Lei de Gérson.

    O que importa é que é ano de Copa. Rumo ao Hexa, sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amor.

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    1. Carnaval, Copa, Festa Junina, Eleições e acabou o ano kkkkkkkkkkkkkkkkk
      Vai, Brasil!

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  11. Tá bom... vou me acusar... eu não mereço mais esta vida pois em casa em tenho um aparelho que liberar todos os canais da NET e para piorar só faço isso para poder acompanhar meu Palmeiras no Premiere hehehe

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    1. Tá bom vou te acusar de mais uma coisa...
      Você também expõem o perfil dos blogueiros da finansfera.
      Nem venha perguntar quem, tú sabes. Já lí vários relatos sobre o que você fez "sem querer" rs

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    2. Você leu relatos, interessante, você deve ser daqueles que lê as noticias em facebook e acredita em tudo então !!

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    3. Eu tbm ja vi postagem onde o Stifler que revelou o linkedin de um blogger nos comentários só procurar que acha pois tem o histórico das postagens salvo na nuvem
      Stifler vc é mto insano cara kkkkk

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  12. Concordo plenamente. Continuo achando que, infelizmente, o Congresso Nacional representa o povo. O empregado furta o empregador. O empregador sonega o tanto quanto possível os tributos. O Governo dá concessões injustificadas a certos segmentos da economia enquanto aos outros todo o ônus da carga tributária. Servidores públicos que não servem senão a seus próprios interesses funcionais e preservam privilégios injustificados...

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