Há muitos anos tenho alguns tópicos separados na cabeça para escrever um livro. Determinados pontos não posso contar até que muitos anos tenham se passado, pois são coisas mais drásticas e graves que presenciei em diversos segmentos e entidades públicas.
A ideia do título "Mazelas do Brasil" é, de forma despretensiosa, narrar alguns acontecimentos que presenciei ao longo da vida, afastando sobremaneira a visão e senso comum de que a culpa do país é dos políticos.
Concordo. Mas parcela de culpa são dos políticos, o resto são dos brasileiros, o jeitinho, o antiético, o esperto.
Coisas simples na vida como em um semáforo duplo, com opção de virar à esquerda ou ir em frente, e você está lá, parado para virar à esquerda na fila e o "esperto" ultrapassa todos pela direita (na faixa de ir em frente) e atravanca o trânsito. Esse é o esperto, ganhou 5 segundos, atrapalhou todos. É disso que trataremos nesse conjunto de ideias.
Mazelas vem de causar dor, ferir, desacreditar.
Pretendo escrever tais posts sem periodicidade definida, provavelmente serão nos dias que estou em baixo-astral, desmotivado e cansado, aproveitarei o momento para uma faxina mental.
No meio do texto, quando oportuno e se condizente, darei pequenas dicas e orientações de empreendedorismo.
Vamos ao primeiro "causo".
O Pote de Avelã
Conforme sabem e expliquei no post de Apresentação, tenho alguns negócios e, dentre eles, tive uma curta experiência no ramo de Franquias - Gênero Alimentício (Fast Food).
Inicio a série com essa postagem, pois foi quando tive meu primeiro choque de realidade (dentro do fast food e não na vida) acerca da desonestidade de alguns trabalhadores.
Todos meus funcionários (que agora devemos chamar de colaboradores...) sempre receberam acima da concorrência, sempre dei refeição no local e cesta básica, sempre permiti exceções e bonificações, enfim, de fato distribuía parte do meu lucro e contribuía para o crescimento familiar e pessoal do colaborador, uma verdadeira porta de oportunidades aos que me cercam.
Dentro da gama de produtos, um determinado prato em nosso cardápio utilizava avelã - a famosa Nutella.
Como o volume de vendas era altíssimo, tínhamos centenas de Potes de Nutella no estoque, compradas diretamente da distribuidora, sendo esse apenas um item de um leque enorme.
A contagem do estoque, dado o volume e impossibilidade de ser feito diariamente, era feito de forma semanal e tomava muitas e muitas horas. Alguns insumos especiais eram controlados diariamente.
O controle era simplificado, basicamente aproveitava o momento para atualizar o Inventário e calcular o CMV - Custo de Mercadoria Vendida.
O CMV é o segredo de um restaurante Fast Food e em qualquer outro negócio (que seria o CPV, o qual entrará em uma outra narrativa de Mazelas).
Quem atua no ramo de alimentos Fast Food, perceberá ao longo do tempo que não se ganha dinheiro com a venda do produto ao consumidor final, mas, sim, "montando" o produto dentro de uma Ficha Técnica perfeita (quantidade de cada produto) e na compra dos insumos com os fornecedores (descontos, bonificações).
Desta forma, na contagem semanal, sempre aproveitava para realizar tais cálculos. Consiste em basicamente saber quanto de produto usou: pegar o Estoque Inicial, somar com as compras da semana e subtrair o estoque final.
Usualmente é descrito pela fórmula CMV = EI + C - EF
O Estoque Inicial era, logicamente, o estoque final da semana anterior;
As Compras eram controladas pelas entradas no estoque mediante Nota Fiscal;
O Estoque Final era feito pela contagem semanal.
Com essa métrica, era possível estabelecer o custo de cada produto e corrigir eventuais distorções, além de controlar o estoque para evitar furtos.
A apuração do "usado na semana", era feita diretamente pelo Caixa. O sistema registrava a venda de todas as mercadorias. Exemplo: um determinado produto A utilizava 20 gramas de nutella, o produto B, 40 gramas etc com isso pelas vendas realizadas era possível apurar o quantitativo usado na semana.
O sistema emitia um relatório de mercadorias e era possível se ver, por exemplo, que foram utilizados 195 Kg de Nutella, o equivalente a 300 potes de 650 gramas.
A título ilustrativo, se tínhamos 200 Potes em Estoque e compramos 150 na semana, tendo utilizado 300 no mesmo período, obviamente, deveria chegar no fim da semana, dia da contagem, com 50 Potes.
Com isso apurávamos:
Se a contagem fosse maior, 51 potes, significa que os funcionários colocaram "menos nutella" nos produtos do que deveria; Ponto positivo, pois geraram uma economia de "um pote" de modo a não prejudicar muito o consumidor (se a economia fosse muito grande, o produto perderia qualidade).
Se a contagem fosse menor, 49 potes, significa que os funcionários colocaram "mais nutella" nos produtos do que deveria; Ponto negativo, pois a cada produto vendido, estava causando um prejuízo, portanto, quanto mais vendesse, mais dinheiro ia para o ralo.
Esse é o cenário perfeito.
Nas Mazelas do Brasil, eis o que aconteceu: em determinado período, constatou-se que toda semana havia uma diferença negativa na contagem. Foi realizado reunião, treinamentos e orientações.
Imaginou-se que a "mão do funcionário" estava errada, colocando mais produtos do que deveria. Foi feita uma nova abordagem com adoção de melhores produtos de medição (exemplo: pistolas com trava de quantidade, balanças de precisão etc).
A quantidade utilizada estava perfeita, exatamente com a quantidade vendida. A conclusão, portanto é a que eu estava sendo furtado.
Sinceramente, não conseguia acreditar de como Brasileiros esforçados, buscando oportunidades, pudessem cuspir no prato que comem, mas enfim.
Desgosto à parte, precisava descobrir "como" toda semana sumia o tal do Pote de Nutella.
Extraídas algumas hipóteses, observei que em determinado dia um "colaborador" insistia muito para ser o responsável pela retirada do lixo, serviço chato e que normalmente afasta as pessoas.
Estamos falando de uma lixeira gigante, com kgs e kgs de insumos e produtos.
Só poderia ser esse o responsável pelo sumiço do Pote de Avelã ou alguma outra conduta, pois normal, não era.
Em determinado dia, novamente com a insistência de "eu tiro o lixo...", resolvi eu mesmo tirar o lixo.
Para a surpresa, quando retirei o saco, no fundo da lixeira lá estava o pote....
O tal "colaborador", aproveitava o momento da "troca" do saco de lixo, realizada por ele mesmo, para colocar o pote nos horários de maiores picos. Imaginem uma cozinha com 8~9 pessoas dentro e saindo mais de 10 pedidos por minuto? Loucura total, impossível acompanhar.
Lição aprendida, entre todas as formas de furtar como esconder na mochila, carregar na jaqueta, na bota, no boné, não imaginava que esconderiam um pote na lixeira.
Vejam que a questão não é o "furto do pote", mas a postura, a conduta, a desonestidade. Até porque, se queria tanto um pote, era só pedir e eu dava, como o fiz várias e várias vezes.
Esse episódio me marcou e foi adicionado à minha lista de "Mazelas do Brasil", pois são pequenas coisas desonestas que levam ao fim da nação, não adianta criticar as condutas dos políticos quando a falta de moral e ética reflete-se nas pequenas condutas imorais e ilegais do dia a dia.
Simplesmente não falei nada e no dia seguinte demiti o funcionário.
A título de curiosidade, conforme notícias de revistas especializadas:
A título de curiosidade, conforme notícias de revistas especializadas:
77% das empresas registram prejuízos com fraudes abaixo de R$ 1 milhão por anoAbraços.
R$ 2,2 bilhões são furtados todo ano por funcionários do comércio
R$ 428 é o prejuízo médio por ocorrência de furtos internos